segunda-feira, 14 de maio de 2018

Trovadores

Palavras no Silêncio capitulo 5

“Página retirada do diário de Jefenir o violinista”


Querido diário,

Hoje foi com toda a certeza o pior dia de nossas vidas nesses longos anos desde que decidimos deixar nossa casa e sair pelo mundo mostrando nossa música para as pessoas.
Eu e meu companheiro de viagens Eric tínhamos passado os últimos 17 dias em turnê pelo reino de Anoth. Tocando em um palco diferente toda a noite, e já estávamos cansados do calor insuportável e areia sem fim dos desertos daquela terra. Então resolvemos voltar a nossa terra natal no reino de Atrox para podermos descansar e tocar mais um pouco para os antigos amigos que deixamos para trás em troca de algumas moedas.
E assim fomos. Foi uma alegria muito grande quando logo pela manhã avistamos no horizonte uma grande torre de vigia e vários telhados de casas de madeira rustica que fazem parte da cidade de Linoá.
Eric, impulsivo como sempre não se conteve, fez seu cavalo galopar a todo vapor em direção a praça da cidade, e claro eu tive que sair correndo atrás para não perder ele de vista.
Linoá era uma cidade pequena e não tinha um teatro ou lugar próprio para apresentações artísticas como as grandes cidades de Atrox, Anoth ou Lux. Então sempre quando passávamos por lá nos apresentávamos na taverna / pousada de nossa amiga Meredith. Mas, como era de costume, antes de qualquer tarde de apresentações, tínhamos que avistar ao povo da cidade que havia trovadores por aqui. Então, sempre quando chegávamos em uma cidade, fazíamos uma pequena palinha na praça central ou em um lugar onde tenha grande quantidade de pessoas.
E assim fomos. Paramos na pequena praça da cidade em frente a torre de vigilância e desmontamos as nossas coisas, amarramos os cavalos ali perto, tomamos um gole de água, e pegamos os nossos instrumentos que por sinal já estavam um pouco desafinados devido a mudança de temperatura durante a viagem.
“Vamos lembrar a essa gente do interior o que é música de verdade”. Disse Eric convencido enquanto pegando seu Alaúde e se dirigindo em direção ao centro da praça.
Ele começou a dedilhar a introdução da música “A cidade que tudo vê” de nossa autoria e eu entrei logo em seguida fazendo a melodia no violino. Não era uma de nossas músicas mais animadas, mas era a favorita daquele povo pois escrevemos ela justamente em homenagem a cidade de Linoá e sua torre de vigilância que tinha a melhor vista de todo aquele reino.
A música estava seguindo normalmente, e estávamos tocando até melhor do que nas últimas vezes em que passamos ali. Mas, de repente no meio dela acabei percebendo que estava tocando sozinho. Olhei para o lado sem parar de tocar e percebi que meu parceiro estava imóvel. Pensei logo “Po Eric, agora não é hora de ter medo do palco e ficar nervoso”, mas sabia que não era isso que estava acontecendo. Parei de tocar também e olhei ao redor, e para minha surpresa percebi que não havia ninguém prestando atenção na gente. Havia muitos rostos familiares ali, o vendedor Bill, as crianças o cara da loja de penhores que eu nunca lembrava o nome, todos os rostos que outrora ficavam encantados quando tocávamos nossa música agora pareciam que nem tinham notado que estávamos aqui. Ou se notaram estavam fingindo que não existiamos. O que seria impossível já que estávamos tocando absurdamente alto.
Bom, para não dizer que não tinha ninguém dando bola pra gente, passou uma menininha com tranças que passou pela gente com uma cara de tristeza e saiu correndo.
“Que pesadelo é esse? O que está contendo aqui?” Eu perguntei assustado.
Então Eric me respondeu: “Não é óbvio bro. Eles enjoaram da gente. Nossos 15 minutos de fama acabaram e nossa carreira também”.  Sempre gostei do jeito otimista de Eric ver as coisas, mas tinha certeza que não era isso. Não fazia sentido ser isso, ninguém em sã consciência enjoaria de ouvir a gente. Algo tinha acontecido em Linoá enquanto estávamos fora.
Nesse momento, uma mão gelada pousou em nossos ombros. Olhei para trás assustado e me deparei com o rosto da velha Meredith. Que tinha agora uma expressão de tristeza e pena. Diferente da doce e alegre senhora que me lembrava da última vez.
Ela começou a andar em direção a pousada e fez um sinal com as mãos para que a seguíssemos, tudo isso sem dizer uma única palavra. Eu e meu companheiro trocamos olhares, isso estava estranho demais, Meredith geralmente não parava de falar. Mas a seguimos mesmo assim e entramos na pousada.
Ao chegarmos lá ela fez alguns sinais estranhos com a mão com expressão de interrogação.
“Desculpe amiga, não estendemos de língua de sinais, não dá pra falar com a gente normalmente é isso”? Perguntei, mas ela parece não ter entendido o que eu disse. Ela foi para a mesa de recepção, pegou um caderno e uma pena e escreveu um resumo do que estava acontecendo e deu pra gente ler.
“Seguinte, não é uma boa hora pra vocês aparecerem aqui. Tá todo mundo surdo e mudo por essas bandas. Ninguém sabe o porquê”.
“Como assim ta todo mundo surdo”? Perguntou Eric assustado.
“Acho que quer dizer que ninguém pode falar ou ouvir a gente”. Eu respondi tentando manter a calma. “Como isso pode ser possível”?
Meredith deu de ombros provavelmente não entendeu uma única palavra do que a gente disse, e então voltou a fazer os seus afazeres na pousada / taverna.
Eu e Eric saímos dali assustados conversando sobre o ocorrido e olhando para os cidadãos perto pra ver se era verdade, e aparentemente era mesmo.
“O que fazemos agora”? Perguntei.
“Não é óbvio? Temos que encontrar quem fez isso com nossa terra e bater nele até que ele desista e faça todo mundo ouvir de novo. Depois voltamos aqui e fazemos um show de comemoração.
“Acho que o rei já deve estar trabalhando para resolver isso” Meu amigo só deu risada quando eu disse isso.
“Ele é um idiota. Deve estar dando muros na parede e destruindo tudo sem saber o que fazer. Se deixarmos as coisas nas mãos dele vai todo mundo ficar surdo pra sempre. Não, nós mesmos vamos resolver isso. Afinal, esse é o meu dever como... como...”. Ele parou de falar do nada.
“Como? Eric, o que foi”? Ele estava estranho parece que tinha paralisado do nada. Não entendi na hora o que tinha acontecido apesar de já ter visto aquela expressão antes. Achei que tivesse sido afetado pela magia doida que chegou na cidade e estivesse ficando surdo mudo também. Mas daí olhei para a direção onde ele olhava fixamente e vi, uma bela jovem de cabelos castanhos e olhos puxados montada num cavalo branco.
“Ah qual é Eric. Não é hora para isso.”. Gritei para ele.
“Não faço ideia do que você esta falando”. Ele disse pouco antes de sair andando em direção a jovem.
“E quanto aquela história toda de sair em busca do cara mal e salvar nossa terra”?
“Depois eu bato nele, depois, tenho que fazer uma coisa primeiro, não vai demorar nada, ou talvez demore, volto logo”. E saiu correndo. Sério? Da pra acreditar nesse cara. Fica bobo com qualquer garota bonita que aparece.
Desisti de tentar falar com ele. Voltei a entrar na pousada / taverna e procurei por Meredith, que estava sinalizando com um jovem de cabelos loiros e roupas azuis que carregava uma espada muito legal nas costas.
Depois de falar com ela me hospedei no mesmo quarto em que ficamos da última vez e fiquei ali ensaiando com meu violino até anoitecer. Sei lá, acho que até estava gostando desse silêncio todo.

...

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