domingo, 22 de março de 2020

O padeiro

Havia um peso no ar, uma empolgação entre todos os mercenários, civis, soldados e jovens de todo o reino para a batalha. O torneio mensal da cidade Roklua iria começar e dessa vez o vencedor seria escolhido por uma batalha onde valia tudo, desde armas como lanças e espadas até armas a distancia como arcos e besta. E o grande prêmio, claro, seria a honra de tocar a grande Ágata e adquirir seus poderes de manipular as chamas.
No meio da confusão um jovem se destacava. Ele era filho do padeiro local, tinha cabelos escuros e estava ligeiramente acima do peso.
O jovem, tinha acabado de completar a maioridade e estava livre para participar do torneio dessa vez. Mesmo contra a vontade de toda a sua familia.
Os seus pais nunca aprovaram o envolvimento do filho com a arte da guerra, proibindo o coitado ainda criança de se alistar como soldado e aprender a manusear espadas e armas pesadas. Mas isso não o impediu e secretamente saia toda tarde quando sobrava um tempo na padaria do pai para praticar esgrima com seus amigos com colheres de pau, vassouras e espatulas que era o que ele podia manusear.
E com o passar do tempo sem perceber se tornou um ótimo espadachim com espatulas de todo o reino. E agora, ele queria provar o seu valor e botar em prática o que aprendera no maior torneio de todos.
Ele pegou as roupas mais confortáveis possíveis, sua espatula, sua colher de pau e um lanchinho para comer depois e partiu rumo a arena perto do palacio para fazer a sua inscrição.
Mas no caminho, algo chamou sua atenção. Alguns mercenários vindo de longe estavam causando confusão com uma jovem garota. Os homens estavam fortemente armados e vestiam armaduras pesadas e gritavam feito loucos, provavelmente estavam levemente embriagados também.
- O que esta acontecendo? - Perguntou.
- Essa peste estava tentando roubar o mercado. - Respondeu um deles grosseiramente. - Ela é uma manipuladora de sombras.
O jovem conhecia a fama dos manipuladores de sombra, sabiam que eram mal vistos pela sociedade, e muitas vezes tratados como monstros e aberrações, mas aquilo estava estranho.
Ele se aproximou e viu a tal "peste". Era apenas uma criança, devia ter seus 10 ou 11 anos. Cabelos loiros bagunçados roupas esfarrapadas e absurdamente magra. Devia estar morrendo de fome a coitada. Seu rosto estava sangrando feio, provavelmente algum deles a agredira ali. Ele não podia deixar aqueles homens continuarem.
E sem pensar correu para junto da pequena e a abraçou protegendo dos ataques de seus agressores.
-Calma, vai ficar tudo bem. - Ele falou baixinho de modo que só ela conseguisse ouvir.
-Largue ela seu idiota. Essa criatura merece a morte só por respirar o mesmo ar que nós. - Gritou um dos mercenários.
O sangue subiu a cabeça do padeiro e sem pensar em suas atitudes levantou rapidamente dando um soco no queixo dele fazendo-o cair.
Sem perder tempo, seus companheiros se encheram de raiva e rodearam o padeiro.
Eram dez ao todo, e alguns deles possuíam lanças longas que poderiam ser um problema.
O padeiro pediu para a jovem ficar atras dele e sacou suas armas: uma espatula numa mão e uma colher de pau em outra.
Claro, todos riram da audácia do jovem e começaram a fazer piadas:
-O que vai fazer com isso doido? Um bolo?? Hahaha
Mas eles não o conheciam, não imaginavam com o quem estavam se metendo.
E num rápido movimento de espatula o padeiro partiu para cima de um deles acertando a colher no seu estômago e a espatula no pescoço, fazendo o mercenário cair no chão se contorcendo de dor. E logo em seguida tomar um chute na cabeça que o fez desmaiar.
Os seus companheiros pararam de rir e partiram para cima do padeiro com raiva.
Mas o jovem era mais esperto e rapidamente foi derrubando um a um. Ele sabia que não tinha chance contra as lanças e espadas longas se ficasse muito distante. Então procurou manter um combate corpo a corpo o mais próximo possível. E assim foi derrotando seus inimigos.
Quando o último deles caiu o padeiro baixou as "armas" e respirou fundo. Ele estava feliz consigo mesmo, todo aquele treinamento com seus amigos na floresta tinha valido a pena.
Mas quando se virou não encontrou mais a estranha garota. Devia ter aproveitado a confusão e fugido.
Mas claro, não dava pra se esconder por muito tempo, e preocupado com a situação da garota o padeiro seguiu a trilha de sangue que ela deixara pela rua.
O horário das inscrições já estava para terminar e ele estava atrasado. Mas aquilo era mais importante.
A trilha levou para a floresta. Fazia sentido, era o melhor lugar para se esconder em todo o reino.
Mas depois de algum tempo o jovem perdeu a pista. Ao chegar em uma pequeno riacho não tinha mais trilha sangue para seguir e ele ficou olhando de um lado para outro sem saber o que fazer.
Depois disso passaram-se quase uma hora enquanto ele esperava nas margens do riacho. Mas não ouve sinal de vida. E mesmo preocupado com a garota, era preciso deixa-la. Mas antes de sair deixou ali mesmo o sanduíche que ele tinha guardado para comer durante o período do torneio (da qual ele já perdera a essa hora) e escreveu brevemente uma mensagem na terra úmida "Volto amanhã com mais".
E de fato ele voltou. Trouxe alguns pães fresquinhos da padaria que ele mesmo tinha assado e esperou. O sanduíche tinha desaparecido, mas não tinha nenhuma mensagem ou sinal da garota.
Ele esperou mais um pouco, alguns minutos. Ele já tinha percebido que a garota era tímida. Mas sabia que de algum modo ela o observava pelo meio das árvores. Então escreveu mais algumas mensagens e voltou para casa. Ele sabia que ela não iria vir falar com ele e também não queria que os pães esfriassem.
E isso se sucedeu durante um bom tempo, ele sempre trazia os mais diferentes pães e guloseimas para a garota. Contava histórias altas para que ela pudesse ouvir de onde quer que ela estivesse e trazia presentes quando sobrava algum dinheiro. Algumas roupas limpas, papel e caneta caso ela queira se comunicar, alguns brinquedos e coisas do tipo.
Certa vez encontrou um desenho deixado as margens do riacho. Era um retrato dele com a espatula e a colher de pau e alguns pães do lado. Um sol acima e uma menininha loira ao seu lado. O jovem estava exageradamente redondo nesse desenho, o que o fez dar uma certa risada alta e meio exagerada.
Mas aquilo encheu o coração dele de alegria e ele fez questão de emoldura-lo e pendura-lo em sua casa.
Mas foi ai também que ele percebeu que ela talvez não soubesse ler então começaram a se comunicar por desenhos.
O tempo foi passando. E alguns meses depois o padeiro se inscreveu em um novo torneio. E claro, com suas habilidades acabou vencendo todos os outros competidores facilmente. O rei o elogiou pessoalmente, poucos de seus soldados tinham uma habilidades igual mesmo com a espada. E o convidou para se tornar um guerreiro e aprender a arte da guerra. Mas o jovem recusou alegremente e disse que precisavam dele como padeiro e tinha orgulho da sua profissão.
Mas o rei continuaria no seu pé por algum tempo. Mas no fim acabou aceitando a decisão, e até se tornou um cliente regular da padaria, encomendando sempre uma boa quantidade de pães, o que foi ótimo para o negócio da família.
Mas ele não se esqueceu da jovem e todo dia sem falta ele ia ao riacho levar comida e alguns presentes.
Meses se passaram e se tornaram anos. E ambos foram crescendo sem nunca conversarem frente a frente. A jovem cresceu forte e se tornou muito bonita. E o padeiro acabou por engordar mais um pouco.
Depois de três anos o padeiro acabou por encontrar um bilhete no riacho. O que era estranho por que ele sabia que a garota não sabia escrever. Mas mesmo assim parecia verídico.
"Sou muito grata por tudo que fez por mim durante esses anos, queria que mais pessoas tivessem a bondade de seu coração. Desculpe ter ido falar com você, mas tenho medo do que poderiam fazer com você se você fosse visto com uma pessoa como eu. Estou partindo com um amigo para um lugar seguro, mas eu nunca me esquecerei da bondade que você demonstrou por mim. Atenciosamente Unuth"
O jovem não pode conter as lágrimas de felicidade e o aperto no coração. Mesmo nunca tendo conversado com a garota ele sentiria muita saudade de todo aquele tempo. E dos desenhos trocados pelos dois, do qual ele guardaria pelo resto de sua vida.

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